Anatomia da Superação da Adversidade Severa
- Marisa Revez Mendes
- 26 de jan.
- 18 min de leitura

O quociente de adversidade é a capacidade de uma pessoa enfrentar, superar e até transformar em oportunidades as adversidades da vida. Existe alguma bibliografia sobre o tema por outro lado, usando a minha própria larga experiência em lidar com a adversidade, e depois de uma pesquisa exaustiva, neste artigo vamos perceber a Anatomia da Superação da Adversidade Severa: o que acontece do ponto de vista neurológico quando a Adversidade severa acontece na nossa vida, sendo um evento traumático um exemplo.
Sentimos como Adversidade algum evento que o nosso cérebro interpreta por negativo, sinalizando-o pela emoção Medo em primeira instância, que por sua vez virá acompanhada da emoção Raiva, Tristeza, Mágoa, Culpa e Vergonha. O Medo é a nossa emoção ligada ao instinto que nos permite manter a integridade da nossa existência. Já as outras são emoções primárias que serão sentidas conjuntamente com os processos mentais de interpretação do evento. Deste encadeamento poderão surgir outros subprodutos emocionais.
O evento de Adversidade é então sentido em primeira instancia como Perigo e por isso a Detecção da Ameaça é primeiro processo neurológico a ser ativado pelo cérebro para avaliação do Perigo. Para este processo ser iniciado, o papel do Sistema Sensorial é crucial. Através dos sentidos (visão, audição, tato principalmente) é captado o estímulo ameaçador e estes enviam sinais ao tálamo, o "centro de triagem" do cérebro. Por sua vez, o tálamo direciona a informação por dois fluxos: para a Amígdala (onde ocorre a resposta emocional imediata) e para o Córtex Sensorial (para uma análise mais detalhada e lenta da situação).


A Amígdala é uma espécie de Central de Alarme Cerebral, localizada no sistema límbico, detecta sinais de perigo. Se o estímulo for identificado como ameaça, ela dispara uma resposta imediata, antes mesmo de o cérebro consciente processar o evento.

Assim, através da chamada Resposta de Emergência, a Amígdala ativa o eixo Hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), que prepara o corpo para lutar, fugir ou congelar. O Hipotálamo liberta CRH (Hormona Libertadora de Corticotrofina) que sinaliza a glândula pituitária (Hipófise) para a liberar ACTH (Hormona Adrenocorticotrófica) na corrente sanguínea, que por sua vez ativa as Glândulas Adrenais (ou Suprarrenais, localizadas no topo dos rins) que liberam hormonas de stresse: Adrenalina, que vai aumentar a frequência cardíaca, pressão arterial e o fluxo sanguíneo para os músculos; e o Cortisol que vai regular o metabolismo e a energia, preparando o corpo para a sobrevivência.

Como efeitos fisiológicos imediatos ocorre a dilatação das pupilas (para maior vigilância), o redirecionamento do sangue de sistemas não essenciais no momento (como digestão, imunidade, etc) para os músculos e cérebro e o aumento da frequência respiratória para fornecer mais oxigénio ao corpo que entrou em modo Resposta de Emergência Lutar-Fugir-Congelar.
Simultaneamente à Resposta ao Perigo da Amígdala, o Tálamo também activa então o fluxo do Córtex Pré-Frontal, para uma avaliação consciente e detalhada da situação. Por isso, após a resposta inicial da Amígdala, o Córtex Pré-Frontal (responsável pelo pensamento racional e tomada de decisões) entra em ação, recebendo informações mais refinadas do Tálamo, analisando a ameaça de forma lógica. Assim, decide se a ameaça é real ou imaginada e como responder de maneira mais apropriada. A Inibição da Amígdala ocorre por uma de duas situações: o Córtex Pré-Frontal determina que a ameaça é irreal (por exemplo, quando provem de um pensamento), ou é afinal menos grave do que pareceu inicialmente ou é uma situação já conhecida pela análise de memórias arquivadas, então regula a atividade da Amígdala, acalmando a resposta de alarme; ou a demanda emocional é de tal forma avassaladora, que é ativado o modo de auto-preservação da integridade emocional e psicológica - ocorre aquilo a que designamos da Fase de Choque e Negação.
De acordo com a psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross (1926-2004), o sofrimento passa por 5 etapas: Choque & Negação (Denial), Raiva (Anger), Negociação com Algo Superior (Bargaining), Depressão (Depression) e só por fim, Aceitação (Acceptance). No fundo, estas são as 5 etapas para superar a Adversidade Severa associada um evento traumático (abusos e violência, morte de ente querido, fim de um relacionamento, traição, despedimento, grande desilusão com algo ou alguém - todos estes eventos remetem para uma sensação de perda). Vamos analisar cada uma das etapas do ponto de vista neurológico.
1. CHOQUE & NEGAÇÃO
Esta é a fase onde um Sobrevivente Adulto de Abuso Sexual na Infância passou grande parte da sua vida, ou talvez ainda aqui esteja caso ainda resista a encarar o tema e revelá-lo (se este é o teu caso, tens um longo caminho pela frente). No meu caso, eu estive 32 anos nesta fase. É também uma fase onde é comum a família ficar retida aquando da revelação quando o agressor é também um familiar, nomeadamente para os pais, em que a revelação pode representar para eles um evento traumático pelo sentimento de culpa e vergonha associado à sensação de que falharam enquanto protectores. Também é aqui que ficam os Agressores na sua esmagadora maioria, sendo ou não confrontados pela revelação, mesmo nos casos em que há provas que validam judicialmente a ocorrência de crime.
Na Negação, não estamos a ver a realidade, estamos a viver uma “realidade” subjectiva que é francamente preferível. Por outro lado, é o Choque e a Negação que nos ajuda a lidar e a sobreviver ao acontecimento de sofrimento. A Negação ajuda-nos a controlar o ritmo desse sofrimento em vez de ficarmos completamente dominados pela dor; assim, negamo-la (ou seja, rejeitamo-la ou não a aceitamos) para retardar o seu impacto total sobre nós. Pensem nisso como o mecanismo de defesa natural do corpo, a dizer “Ei, este é o limite de dor que eu consigo suportar de uma só vez”. De um ponto de vista geral, é aqui também que enquanto colectivo traumatizado estamos e vamos sobrevivendo, recorrendo a subterfúgios para compensação (nomeadamente vícios) tal como foi falado anteriormente no vídeo sobre a Abordagem Geral ao Trauma.
Então, do ponto de vista neurológico, a resposta ao Choque frequentemente envolve dissociação, mediada pelo Córtex Pré-Frontal Ventromedial que ajuda a inibir a resposta emocional completa, contribuindo para a sensação de “ausência" ou “anestesiamento” ou “entorpecimento”. Essa dissociação reduz temporariamente a ativação emocional intensa, funcionando como um mecanismo de defesa. O Hipocampo, responsável por contextualizar e organizar memórias, tem a sua função prejudicada devido ao excesso de cortisol o que dificulta a formação de memórias coerentes do evento, criando uma sensação de confusão ou irrealidade (do qual resultam memórias fragmentadas ou ausência total de memórias). A Negação reduz a ativação da amígdala, bloqueando parcialmente o acesso emocional ao evento adverso. O cérebro prioriza a sobrevivência emocional, criando uma "barreira" contra o impacto total do evento. Por outro lado, o Córtex Pré-Frontal Dorsolateral pode suprimir pensamentos conscientes relacionados à adversidade, e isso evitea o encarar imediatamente a realidade do evento, reduzindo a carga emocional.
A Rede de Modo Padrão (DMN), uma rede de partes distintas do cérebro em interação por se correlacionarem entre si, responsável por pensamentos introspectivos e autorreferenciais, começa a criar narrativas alternativas para minimizar o impacto do evento. Exemplos: “Não, de certeza que isso não foi bem assim”, “se calhar fizeste confusão”, “isso deve ter sido só uma brincadeira”, “eras tão pequeno, como é que te lembras disso? Isso não foi assim como estás a dizer com certeza”. Ah, foi foi… isso é só o teu cérebro a contar-te uma versão desta dura realidade com a qual consigas viver! Isto foi o que eu respondi ao Agressor quando o fui confrontar enquanto ele desesperava por me manipular e claro, ficou sem resposta e a gaguejar! ;) Estão a ver… o poder do conhecimento e da informação! Não há manipulação que entre! ;)
Então resumindo, relativamente à função protetora do Choque e da Negação, o Choque dá tempo para o cérebro absorver a magnitude da adversidade sem ser esmagado pela emoção ou pelo stress. A Negação: permite uma "pausa" emocional, dando espaço para que o cérebro processe o evento em doses menores e mais manejáveis. Esses mecanismos ajudam a evitar: a sobrecarga do sistema nervoso central, o colapso emocional imediato e a ação impulsiva prejudicial.
Por outro lado, o seu prolongamento terá impactos negativos: quando um evento adverso traumático não é processado, o evento não é devidamente integrado às memórias, aumentando assim o risco de Perturbação de Stress Pós-Traumático (PTSD - Post-Traumatic Stress Desorder); e desconexão emocional, ou seja, a Negação contínua pode impedir o enfrentamento saudável, o desenvolvimento de resiliência, mantendo um estado constante num certo nível de “entorpecimento” emocional, bloqueado a conexão com o próprio, com o mundo e os outros a um nível profundo. Para além de que, de um ponto de vista psíquico, emocional e espiritual, fica-se congelado no tempo, no momento do evento adverso.
Quando a Negação começa a desvanecer-se, inicia-se o processo de cura. Nesta altura, os sentimentos que antes estavam a ser reprimidos vêm à superfície. É aqui que começa a descida às Profundezas do Ser e do Trauma num duro processo de mais 4 etapas até sairmos, do outro lado, transformados, curados e empoderados.
2. RAIVA
Quando começamos a viver de novo na realidade dos factos e a confrontamos, a raiva instala-se pela sensação de injustiça e revolta. Esta é uma fase do “Porquê eu/a mim?!”. Procuramos culpados pela causa da dor e redirecionamos a raiva para os mais próximos. Sentimos como incompreensível que uma coisa destas nos possa estar a acontecer. Se formos alguém com uma fé forte em alguma entidade divina, Vida ou Universo, começamos a questionar: Onde está Deus? Porque é que alguém aí em cima permite que isto me aconteça? Porque é que não me protegeram?
Independentemente das questões que surjam e por maior que seja o sofrimento, esta raiva deve ser sentida na sua totalidade pois é graças a ela que enraizamos na realidade, e em momento algum ser reprimida, mesmo que parecemos estar num ciclo interminável de raiva, é o fluxo emocional a acontecer e ela dissipar-se-á - e quanto mais sentir verdadeiramente a raiva, mais rapidamente ela se dissipará e mais rapidamente se curará. As emoções reprimidas são como uma barragem a transbordar: quando se abrem as comportas para a vazar, a água sairá em rajada, numa energia potente, e à medida que vai vazando, o “caudal” diminui até a barragem ficar vazia e deixar de haver fluxo emocional. Relembro a etimologia da palavra “emoção” - movimento, ato de mover. A emoção é uma onda energética que tem de estar em movimento, no fluxo do sentir, até ser extinta. Emoções retidas são como energia estagnada. Tal como a água estagnada apodrece, também as emoções estagnadas por repressão trarão danos aos corpo como um sistema.
Por isso, pensemos na raiva como uma força que nos prende à realidade, que sentimos em que isto só nos acontece a nós e estamos sozinhos neste sofrimento. A raiva dirigida para algo ou alguém é uma ponte para a realidade e para nos ligar novamente às pessoas.
Do ponto de vista neurológico, a reativação da amígdala é amplificada porque a Negação da etapa anterior não resolveu a adversidade, criando um acúmulo emocional. Amígdala volta por isso a gerar um “Alarme”, reavaliando o evento como uma ameaça e agora também injustiça, desencadeando uma resposta emocional intensa. Reinicia-se o processo do Hipotálamo com a Resposta de Luta ou Fuga, pela ativação do eixo HPA, liberando cortisol e adrenalina, que preparam o corpo para agir, através do aumento da frequência cardíaca, tensão muscular e respiração acelerada. O Hipocampo procede à Contextualização Emocional, associando o evento à memória passada, mas pode ser influenciado pela intensidade emocional da amígdala, a capacidade lógica fica afectada.

Embora a raiva seja intensa, outras áreas do cérebro tentam modulá-la, regulando-a e controlando-a. O Córtex Pré-Frontal Ventromedial (vmPFC) regula emoções intensas e tenta moderar a raiva para evitar comportamentos impulsivos e o Córtex Pré-Frontal Dorsolateral (dlPFC): planeia uma resposta mais racional, mas sua eficácia pode ser reduzida devido à alta ativação da amígdala. A Rede de Saliência contribui para a experiência visceral da raiva (calor, aperto no peito através da Ínsula Anterior que monitoriza o estado interno do corpo, amplificando a percepção de desconforto emocional.
A raiva desencadeia mudanças comportamentais visíveis e respostas automáticas, resultantes em ações físicas, como gestos agressivos ou aumento do tom de voz, por isso o Córtex Motor é mobilizado para preparar o corpo para expressar essa emoção. A Ínsula conecta a raiva às sensações corporais, como tensão muscular e aceleração cardíaca, tornando a emoção “palpável” e a comunicação amplificada.

Parte desta raiva sentida surge da frustração por não alcançar o resultado esperado ou desejado, no caso, a realidade desejada que deixámos de ter - Sistema de Recompensa. O Núcleo Accumbens, parte desse Sistema, contribui para esse sentimento de frustração quando os objetivos são bloqueados, logo a raiva é intensificada pela percepção de que a adversidade é incontrolável e inalterável. Ainda assim, a liberação de dopamina pode aumentar a energia e a motivação para resolver o problema, mesmo que a emoção seja dirigida de forma impulsiva. Nesta fase, se a raiva não for regulada, pode se transformar em um ciclo de feedback negativo: a ativação excessiva da Amígdala pode "desligar" parcialmente o Córtex Pré-Frontal, dificultando o controle racional, levando a explosões emocionais ou comportamentos agressivos. Por sua vez, pela conexão Hipocampo-Amígdala, as memórias emocionais negativas reforçam a raiva, criando um ciclo onde o evento adverso é continuamente revivido.
A raiva, embora intensa, é uma emoção funcional que pode levar a ação. No entanto, para avançar para a próxima etapa (barganha ou negociação), o cérebro precisa autorregular-se. Assim, o Córtex Orbitofrontal avalia as consequências das ações impulsivas e ajuda a redirecionar a raiva para abordagens mais construtivas. Nesta fase, podemos ajudar o nosso cérebro na redução da intensidade da resposta emocional e na ativação do Sistema Parassimpático, com práticas meditativas ou caminhadas contemplativas na Natureza.
3. REGATEAR COM “DEUS” (BARGANHA/NEGOCIAÇÃO)
Esta fase é caracterizada por tentativas de negociar ou buscar formas de mudar a situação adversa. É um processo que reflete a tentativa do cérebro de recuperar controlo ou criar um sentido perante a adversidade. Neurologicamente, essa etapa envolve sistemas cerebrais relacionados à cognição, imaginação e regulação emocional. De certa forma, esta fase é uma falsa esperança. Pode fazer-se crer, erradamente, que se pode evitar a dor através deste tipo de negociação: “Se mudar isto, eu mudo aquilo!”. Estamos tão desesperados para que a vida volte a ser como era antes do acontecimento do luto, que ficamos predispostos a fazer uma grande mudança de vida numa tentativa de atingir a normalidade.
Assim, a negociação é essencialmente um processo cognitivo de avaliação e negociação, mediado principalmente pelo Córtex Pré-Frontal. O Córtex Pré-Frontal Dorsolateral (dlPFC), focado no planeamento e na resolução de problemas, avalia os cenários possíveis: "E se eu tivesse feito isso?" ou "Se eu fizer isso agora, as coisas podem melhorar?”. Permite a criação de estratégias mentais e raciocínio lógico, mesmo que nem sempre estejam baseados em realidades concretas. Já o Córtex Pré-Frontal Ventromedial (vmPFC), relacionado à regulação emocional e à tomada de decisões baseadas em valores, ajuda a ponderar as implicações emocionais de diferentes cenários ou negociações internas, atua para encontrar equilíbrio entre emoção e lógica, permitindo maior aceitação progressiva da adversidade.
Esta fase também envolve pensamentos hipotéticos ou cenários imaginados, ativados pela Rede de Modo Padrão (DMN), responsável pela conexão com a Imaginação. O Córtex Pré-Frontal Medial e Posterior processa reflexões internas e simulações de eventos futuros, o Córtex Cingulado Posterior ativa a memória autobiográfica e ao pensamento autorreferencial e o Hipocampo acede a memórias passadas para imaginar cenários alternativos. O cérebro cria histórias, narrativas e negociações internas, como: "Se eu mudar meu comportamento, talvez as coisas melhorem" ou "Se eu fizer algo diferente, o sofrimento acabará."
A negociação é movida por um desejo emocional de alívio do sofrimento, com a Amígdala a desempenhar um papel importante na monitorização das emoções associadas à perda ou adversidade, intensificando o desejo de corrigir ou mitigar a situação, por culpa ou arrependimento. Assim, o Sistema Límbico coordena o processamento emocional, mantendo o foco nos aspectos emocionais da adversidade, o que cria uma mistura de esperança e desespero, características desta etapa.
O Sistema de Recompensa cerebral também é ativado na negociação. Novamente o Núcleo Accumbens liberta pequenas doses de dopamina enquanto o cérebro imagina cenários onde a adversidade pode ser evitada ou revertida. Isto cria uma sensação de motivação temporária para continuar a negociar. O sistema dopaminérgico promove o Circuito de Motivação, através de esforços para encontrar soluções, mesmo que elas não sejam práticas ou possíveis. Por sua vez, o Córtex Orbitofrontal avalia as consequências das "negociações internas” (possíveis recompensas ou penalidades de diferentes cursos de ação). Exemplo: "Se eu fizer um esforço extra, talvez as coisas melhorem" ou "Se eu tivesse feito diferente, isso não teria acontecido.”

Durante a fase da Negociação, muitas pessoas recorrem a sistemas de crença, como espiritualidade ou moralidade, para encontrar sentido ou alívio. Ocorre a ativação do Córtex Pré-Frontal Medial, crucial para reflexões morais e espirituais, promovendo um senso de propósito ou conexão com algo maior. Relacionado ao pensamento introspectivo profundo, o Precuneus é ativado durante momentos de reflexão espiritual.
Embora a esta etapa nem sempre leve a soluções práticas, ela desempenha um papel importante no processamento da adversidade: redução da incerteza (cérebro tenta criar sentido e prever resultados, reduzindo a sensação de caos), a mobilização cognitiva (promoção do pensamento criativo e planeamento) e regulação emocional (dá esperança temporária e ajuda a evitar a sobrecarga emocional). Por outro lado, se o cérebro permanecer preso na negociação por muito tempo, podem surgir desafios: ansiedade aumentada (pelo excesso de produção de cenários imaginados que pode levar a preocupação constante), fadiga mental (a tentativa de resolver algo irreversível pode exaurir os recursos cognitivos) e culpa excessiva (pensamentos como "Se eu tivesse feito diferente" podem perpetuar o ciclo de sofrimento).
A Negociação geralmente termina quando o cérebro reconhece que suas "negociações" em nada alteraram a adversidade. Isso pode levar a uma aceitação inicial da realidade, mas também ao surgimento de emoções de perda profunda, característica da próxima etapa, a depressão.
4. DEPRESSÃO
A fase da Depressão, no modelo de Elisabeth Kübler-Ross, representa o momento em que a realidade da adversidade é plenamente reconhecida. É uma fase marcada por um estado emocional profundo de tristeza, desesperança e falta de energia. Neurologicamente, envolve alterações significativas no funcionamento cerebral, afetando sistemas ligados à regulação emocional, motivação e cognição.
Nesta fase, podemo-nos afastar da vida, sentir entorpecimento, viver num nevoeiro e não querer sair da cama. O mundo parece demasiado grande e avassalador para o enfrentar. Podemos não querer estar perto de outras pessoas ou não ter vontade de falar, e podemos sentir-nos sem esperança e até ter pensamentos suicidas de “Qual é o objetivo de continuar?”
Na depressão, há uma redução significativa na atividade do Sistema de Recompensa responsável pelo prazer e motivação. O Núcleo Accumbens, uma parte crucial do sistema de recompensa, mostra uma redução da liberação de dopamina, resultando em diminuição do prazer em atividades anteriormente agradáveis (anedonia) e perda de motivação para buscar recompensas ou soluções. A atividade dopaminérgica nas Vias Mesolímbicas e Mesocorticais é prejudicada, afetando o desejo de agir e a sensação de recompensa.
A interação entre a Amígdala e o Hipocampo desempenha um papel fundamental na intensificação dos sentimentos de tristeza e na dificuldade de regulação emocional. A hiperatividade da Amígdala amplifica emoções negativas, como tristeza e culpa e também intensifica a reatividade emocional a pensamentos ou memórias associadas à adversidade. Já o Hipocampo, que regula memórias e contextualiza emoções, pode sofrer atrofia em casos prolongados de depressão, do qual resulta em dificuldade de lembrar eventos positivos ou de colocar experiências negativas em perspectiva.
O Córtex Pré-Frontal, responsável pelo controle cognitivo e regulação emocional, apresenta uma redução de atividade durante a depressão. Especificamente, o Córtex Pré-Frontal Dorsolateral (dlPFC), pela sua atividade diminuída, reduz a capacidade de planear, resolver problemas e focar em soluções para superar a adversidade. No caso do Córtex Pré-Frontal Ventromedial (vmPFC), pela sua atividade diminuída, prejudica a regulação emocional, levando a um aumento da ruminação, ou seja, o foco repetitivo em pensamentos negativos.
A Rede de Modo Padrão (DMN), responsável por pensamentos autorreferenciais, é hiperativada durante a depressão. A DMN perpetua ciclos de pensamento, como "Por que isso aconteceu comigo?" ou "Eu não consigo superar isso.”, gerando uma ruminação negativa. A hiperatividade do Córtex Cingulado Posterior e do Precuneus intensifica o foco em falhas passadas e na adversidade. As memórias negativas são continuamente acessadas e repetidas, dificultando a interrupção do ciclo de tristeza, pela conexão com o Hipocampo.
A ativação crónica do eixo HPA, comum em respostas prolongadas ao stress, eleva os níveis de cortisol, afetando negativamente o funcionamento do Hipocampo e do Córtex Pré-Frontal, perpetua sentimentos de desesperança e inabilidade de encontrar soluções, levando à exaustão do corpo e da mente, agravando a sensação de apatia.
A Ínsula, que conecta emoções e sensações corporais, amplifica a percepção de desconforto físico e emocional durante a depressão e contribui para sintomas físicos como cansaço extremo, sensação de peso no corpo e falta de energia geral.
A serotonina, um neurotransmissor crucial para o humor, é frequentemente disfuncional na depressão, pela sua redução associada à baixa disposição, sentimentos de tristeza e pessimismo. Além disso, a depressão muitas vezes interrompe os ciclos naturais de sono, o que agrava os sintomas. A disfunção do sistema circadiano está associada a dificuldade para adormecer (insónia), e acordar cedo demais ou sensação de sono pouco reparador.
A transição para a aceitação ocorre quando o cérebro começa a regular novamente as suas funções emocionais e cognitivas. O córtex pré-frontal recupera a sua capacidade de planear e criar estratégias construtivas. A redução do stress e a busca por suporte emocional ajudam a restaurar os níveis de dopamina e serotonina, facilitando a recuperação por esta normalização dos Sistemas Neuroquímicos.
5. ACEITAÇÃO - “ISTO ACONTECEU E COM O TEMPO VOU FICAR OK”
A fase da Aceitação, representa o momento em que a adversidade é compreendida e integrada à experiência pessoal. É uma etapa de reorganização, crescimento emocional e adaptação, marcada por uma ativação renovada das áreas cerebrais responsáveis pela regulação emocional, pensamento construtivo e conexão social. Neurologicamente, é um processo de realinhamento entre emoção e razão, envolvendo sistemas que promovem a resiliência e o bem-estar.
Nesta fase, voltamos a entrar na realidade, aceitando a “nova” realidade tal como é, que não sendo algo propriamente “bom” comparativamente ao que era, permite seguir em frente. É sem dúvida um período de ajustamento e reajustamento. Há dias “bons”, há dias “maus”, e depois há novamente dias bons. Nesta fase, ainda haverão dias incontrolavelmente tristes. Mas os dias de ânimo tendem a ser cada vez mais frequentes comparativamente aos dias de desânimo. A vida social recomeça gradualmente, desenvolvendo até novas relações com o passar do tempo. Compreendemos que a antiga realidade nunca mais vai voltar por isso, aceitamos a mudança, reconhecemos o crescimento e evolução para esta nova realidade, numa nova versão de nós renovada, curada e totalmente transformada.
A aceitação é mediada pelo Córtex Pré-Frontal, que desempenha um papel crucial na regulação emocional, planeamento e foco em soluções. Especificamente, o Córtex Pré-Frontal Ventromedial (vmPFC) facilita a regulação emocional ao integrar informações emocionais da amígdala com pensamentos racionais e permite reavaliar a adversidade sob uma perspectiva mais equilibrada, promovendo um senso de controle e calma. Já o Córtex Pré-Frontal Dorsolateral (dlPFC) ativa-se para criar estratégias construtivas, planear os próximos passos, ajuda a priorizar o presente e a lidar com a adversidade de forma pragmática.
O sistema límbico, especialmente a Amígdala e o Hipocampo, retorna a um estado mais equilibrado, reduzindo reações emocionais intensas. A diminuição da hiperatividade na Amígdala reduz a intensidade de emoções negativas, como medo e raiva e facilita uma resposta emocional mais moderada e controlada. Por sua vez, o Hipocampo recupera sua função de contextualizar memórias emocionais, ajudando a colocar a adversidade em perspectiva, o que promove um entendimento mais objetivo da situação e reduz a ruminação.
Na Aceitação, a hiperatividade da Rede de Modo Padrão (DMN), que perpetua ruminações e pensamentos autorreferenciais negativos, é reduzida, o foco muda de pensamentos passados ou cenários imaginados para o momento presente, a ativação da Rede de Controle Executivo suprime a DMN, permitindo maior clareza mental.
Com a aceitação, o sistema de resposta ao stress do cérebro começa a normalizar-se com a regulação do Eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal (HPA). Os níveis de cortisol, a hormona do stress, diminuem, promovendo uma sensação de calma e alívio, o que melhora o funcionamento do Hipocampo e do Córtex Pré-Frontal, que podem ter sido prejudicados pelo stress crónico. Há um aumento da atividade do sistema parassimpático ("resposta de relaxamento"), que contrabalança o sistema simpático hiperativo ("luta ou fuga”). As sensações físicas de tensão diminuem, permitindo relaxamento e clareza mental.
A Ínsula, que integra informações emocionais e sensoriais, desempenha um papel importante na aceitação, pois promove uma consciência corporal maior, ajudando a identificar e liberar tensões associadas ao stress emocional. Permite ainda uma conexão mais profunda com o momento presente e potencia a conexão Corpo-Mente.
A aceitação é associada ao aumento de neurotransmissores que promovem bem-estar emocional e resiliência. A Serotonina aumenta a sensação de calma, estabilidade emocional e contentamento, bem como facilita uma atitude positiva em relação ao futuro. A Dopamina promove a motivação e satisfação ao realizar pequenos avanços no processo de adaptação e incentiva comportamentos construtivos e busca por objetivos. A Oxitocina é liberada durante conexões sociais significativas, como apoio emocional de amigos ou familiares, reduz a sensação de isolamento e fortalece vínculos interpessoais.
A aceitação frequentemente envolve um retorno ao apoio social e à construção de conexões interpessoais, gerando uma ativação do Sistema de Recompensa: a interação social positiva ativa o sistema de recompensa cerebral, promovendo a liberação de Dopamina e Oxitocina, o que reduz sentimentos de solidão e promove um senso de pertença. O Córtex Pré-Frontal Medial processa reflexões morais e sociais e o Córtex Temporal Superior Facilita a empatia e o entendimento de perspectivas alheias.
A Rede de Controle Executivo, que envolve o Córtex Pré-Frontal, fortalece a capacidade de regulação emocional e tomada de decisão, promovendo a flexibilidade cognitiva, permitindo ao cérebro se adaptar a novas circunstâncias. Também facilita o processo de aprendizagem com a experiência adversa, transformando-a em uma oportunidade de crescimento.
A Aceitação é um estado que envolve a Neuroplasticidade, permitindo que o cérebro se reorganize e crie novas conexões para lidar com a adversidade. Por isso novos circuitos são formados para processar a situação de maneira construtiva e a resiliência é fortalecida, tornando o indivíduo mais preparado para lidar com futuras adversidades. Pessoas resilientes têm uma resposta mais rápida e eficiente do Córtex Pré-Frontal, permitindo uma recuperação mais rápida após o stresse.
A Aceitação marca o ponto em que o cérebro pode começar a reinterpretar a adversidade como uma experiência Evolutiva. O Crescimento Pós-Traumático envolve o fortalecimento emocional e a descoberta de novos significados na vida onde intervém o Córtex Pré-Frontal através do planeamento do futuro e busca de novos objetivos e a Rede de Saliência na identificação de prioridades e foco no que é significativo.
Resumindo, a fase da aceitação é um processo neurológico de reorganização e recuperação. O cérebro reduz a atividade associada ao stress e emoções negativas, enquanto aumenta a capacidade de regulação emocional, adaptação e conexão social. É um ponto crucial onde a adversidade é finalmente integrada à narrativa pessoal, permitindo a transição para o crescimento emocional e a resiliência.
IMPACTOS DA ADVERSIDADE NÃO PROCESSADA
Quando a Adversidade é de tal ordem e continuada no tempo que altera os processos naturais neurológicos (adaptação do cérebro ao trauma) passa a condicionar o que se chama de Quociente de Adversidade, pelo seguintes impactos:
Amígdala hiperativa - respostas emocionais exageradas;
Córtex Pré-Frontal enfraquecido - dificuldade em tomar decisões racionais.
Hipocampo reduzido - maior dificuldade em diferenciar ameaças reais de imaginárias.
Excesso de Cortisol - afeta a memória, o sistema imunológico e aumenta o risco de doenças crónicas.
Percebes a importância de fazeres esta travessia por mais dura que ela seja?
Conhecimento é poder, e agora que sabes o que vai acontecer no teu corpo ao longo desta travessia, podes realizá-la de um lugar mais consciente. Na realidade, com este episódio fiz uma antevisão do processo de cura do Trauma. Acredito que ao proporcionar-te algum senso de controlo talvez possa reduzir o teu nível de ansiedade e medo em enfrentares e curares o Trauma, seja de Abuso Sexual ou de outro tema de vida. O meu propósito é educar e inspirar para a importância de cada vez mais de nós faça este caminho e amplie a sua consciência. Beneficiará de uma melhoria substancial na relação consigo mesmo, e por consequência, construirá relacionamentos mais saudáveis, construtivos e benéficos. Por um Individual mais Evoluído, por um Colectivo mais Humano e Divino.
Seguimos juntos neste Círculo de Cura e Evolução!
Até já!
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